quarta-feira, 16 de março de 2011

A caminho de Viseu

Pouco tempo depois de ter feito 6 anos tive uma apendicite e tive de ser operado de urgência. Eu tinha uma bíblia e fiz questão de a levar comigo e de a ter ao meu lado (eu sei que é estranho, mas era mesmo o que eu queria - também os meus pais achavam estranho, até porque cresci para ser udo menos padre ou dedicar-me à igreja como ela está instituida).

Depois de um erro de uma auxiliar que me deu sopa quando ainda nem podia beber àgua, tive de ser operado de urgência, caso contrário morria. Não tive nenhuma experiência relevante de quase morte e muito menos fiquei importado com isso, o meu grande amigo estava alí comigo para me proteger e isso bastava-me.
Os meus pais conheceram uma nova religião e acabáram por fundar essa religião na pequena vila onde viví alguns anos (ainda vivemos em lisboa, mas acabámos por voltar a Torre de Moncorvo). Essa religião não consistia de nenhum ritual. As pessoas sentavam-se, liam uma passagem da bíblia e discutiam o assunto e o seu significado (lembro-me que usavam uns cartões de ajuda à interpretação dos factos). Era a Igreja adventista do sétimo dia que é na verdade aquela que me parecia a mais adequada, o Deus deles não castigava tanto, era muito  mais amigo das pessoas e não havia santos para toda a situação. Assim a bíblia foi sempre algo muito presente e ainda hoje acho que é um livro fascinante, mas sobre isso falaremos mais tarde (tudo a seu tempo - primeiro quero explicar o meu caminho para depois dizer o que aprendi, e não, não vamos passar o tempo a falar de religião).

Viémos viver para Viseu, a cidade onde nasci, quando eu tinha 7 anos. Uma cidade que me agradava muito porque não tinha a confusão de Lisboa e não era tão pequena como Moncorvo (muito embora ache Moncorvo linda).
Aqui a igreja do 7º dia já não era "dos meus pais" era de todos e era conduzida por outras pessoas. Todos os sábados lá iamos à reunião discutiamos a bíblia sob a orientação do "Pastor" e assim se vivia bem. Em casa eu continuava a mesma criança bem educada que só não aceitava injustiças e ordens sem sentido ou castigos desproporcionais.

Tinha vindo de um meio maior e outro mais pequeno, acreditava que tudo era igual porque nos sitios onde tinha vivido não havia preconceito (pelo menos que eu desse conta), as pessoas não segregavam. Os meninos e as meninas brincavam juntos e tinham brincadeiras inventivas e imaginativas. Em Viseu foi a primeira vez que vi que exista separação entre rapazes e raparigas. Os rapazes jogavam à bola, destruiam berlindes e carrinhos de brincar (literalmente) e as raparigas jogavam ao faz de conta, saltavam à corda, inventavam historias com bonecas e ainda faziam pequenos cozinhados (pudim de chocolate que apesar de saber horrivelmente mal comiamos a bom comer) Claro que comecei a brincar com as raparigas e ao mesmo tempo comecei a ser completamente gozado e segregado. O que me pareceu mais estranho é que até as proprias raparigas que eram minhas amigas, também elas as vezes me segregavam porque não era natural eu brincar com raparigas. Era suposto eu preferir destruir berlindes e carrinhos de brincar e andar a partir janelas em vez de gostar de brincadeiras que puxassem pela imaginação. Forma tempos um pouco dificieis e as vezes chegava a casa a chorar. A minha mãe dizia-me que o melhor era bricar com os rapazes e se me chamassem de nomes eu respondia, mas so partiria para a violência em ultimo recurso, contudo devia-me defender. Eu não concordava nada com aquilo, mas também a minha mãe parecia acreditar que eu deveria ser o mais igual possível aos outros para que pudesse inserir-me convenientemente na sociedade.

Nada me revoltava mais, mas entendia que para a minha mãe era uma desilusão ter um filho tão completamente diferente de todos os filhos dos outros e até do meu próprio irmão. Eu acabava por ser um pouco estranho porque não me inseria em nenhum estereótipo de miudo da minha idade, não rasgava a roupa, não caía, não tinha nodoas negras... O que eu queria era brincar ao faz de conta, imaginar coisas e histórias e cantar e saltar... ainda hoje não gosto de futebol e detesto particularmente estragar coisas.

Assim cresci, a aprender que tinha de me tornar mais um e o mais igual possível à maioria que era para ninguém me notar. A melhor metáfora que tenho para o que eu sentia é o dia em que fui para a inspecção:

"Corta o cabelo, se não eles metem-se contigo"; "Não fales muito para não seres notado"; " Se se meterem contigo tu cala-te". Que medo que tive nesse dia... na verdade fartei-me de rir quando lá estive tirando uma ou outra situação. Realmente na inspecção quem passava despercebido, porque era mais um caladinho que aceitava as regras sem as questionar, sem pedir uma explicação, não tinha razão de queixa. Mas havia lá um preto. Todos nós eramos brancos e havia só um preto por lá. Caramba, claro que se evidenciou... Os tropas que estavam por lá a fazer as brincadeiras que se fazem na tropa, aquelas coisas do falar alto e de mostrar que se é maxo, resolveram naturalmente meter-se com ele:
- És de onde pá?
- Cabo verde...(muito intimidado)
- Que estás aqui a fazer pá?
- Estou a estudar gestão...
- Para quê, para voltares para a tua terra para gerires as bananeiras?

O rapaz preto olhou para o chão,mas acredito que se sentisse do mesmo tamanho que eles lhes tinha pregado dois valentes murros que era o que eles mereciam, mas olhou para o chão. Nesse momento senti a mesma coisa que senti no dia em que o padre manipulador tentou levar a que as pessoas votasse no PS (partido de quem eu era também simpatizante quando era miudo), queria falar, o meu estômago estava apertado e tinha de falar... houve alguém que estava na nossa fila que disse muito calmamente:
- Hey... também não era preciso isso...

Todos nós olhamos para o soldado que tinha dito aquela estupidez com caras de reprovação e a minha estava especialmente fincada (quem me conhece sabe a cara que fiz).
Não é que eu acredite que o soldado fosse racista, mas foi a forma estupida como tentou encontrar alguma diferença de entre o grupo para poder gozar com alguém ou humilhar alguém.

É assim não é? Hoje ainda é assim... não és igual ao padrão começas a fazer doer os olhos de quem está no padrão, daí a seres gozado é um pequeno passo.

Tentei. Juro que tentei ser mais um, mas não dá. Não tenho estofo e nem sei ser igual, especialmente porque nunca ninguém me chegou a explicar a razão de ter de ser igual, nunca ninguém me explicou porque é que ananás se chama ananás.

Cresci e, como adolescente que me tornei, comecei a renegar a presença de Deus. Para mim Deus não existia (cada vez que dizia isto, sentia-me mal porque na verdade eu até sabia que Ele existia), lá acabava então por dizer que acreditava numa força inteligente, mas repudiava o Deus da igreja.
Nessa altura, tentei ser o mais igual possivel ao meu grupo porque achava que tinha de me integrar o mais possível e tinha dei deixar de ser gozado.
Até ao 8º ano fui sempre muito gozado "Amélia", "Maricas", "Menino da professora"... e por aí fora, lá ia eu angustiado para casa e perguntava ao meu amigo "porquê eu? porque é que só eu é que vejo que não há importância na forma como as pessoas são ou com quem brincam".
Os meus colegas destroçavam-me, eu dava-me melhor com as raparigas e na altura por me dar tão bem com elas, acabei por ter alguns tiques femininos o que não me ajudava nada a ser mais um dentro do padrão... Eu tinha de me livrar destes gozos e tinha de me tornar popular.
Nas férias do verão (do 7º para o 8º ano) resolvi engendrar um plano. Eu tinha tudo o que era preciso, anos de observação, observei os comportamentos dos mais fixes da escola, dos que me gozavam e sabia tudo o que os levava a serem populares. Tinha esse grande trunfo, o meu poder de observação e assim resolvi começar por o meu plano em prática no 8º ano.

Nesse ano comecei a mandar piadas nas aulas (sempre tive jeito para o humor... outro trunfo que eu tinha, fazer rir), mas os professores não achavam tanta piada:
- óptimo... está a dar certo, os professores começam a ver-me como mais um adolescente mal comportado - pensei eu (e tinha razão)
Tive até uma professora que me disse "Oh criatura! Você era tão sonso no ano passado e este ano está do pior... quem o viu e quem o vê!...". Estava no caminho certo (muito embora lá no fundo me achasse um cromo totalmente diferente de toda a gente, as questões continuavam, mas por fora é que interessava...)

Em pouco tempo, os que gozavam comigo, ou não simplesmente não me ligvam nenhuma, começavam a falar comigo e a combinar coisas comigo. Fui escolhido para ser o director do jornal da Associação de Estudantes.
"Ok, estou quase onde quero, daqui a pertencer à associação de estudantes é um passo..."

A associação de estudantes das escolas é o cumulo da alta sociedade estudantil e eu queria la estar porque queira mostrar que eu era mais um, mas não era só mais um, era alguém que era visivel e respeitado. Assim foi. Desde então nunca mais deixei de pertencer à associação de estudantes.

No 10º ano passei a secretário da direcção da Associação de estudantes e toda a gente me conhecia. Alunos e professores. Eu era eu. Foi nessa altura que alguém me deu uma alcunha que uso até hoje. Judas (para algué cuja presença de Deus era tão forte, era no minimo engraçado ser chamado de Judas pelos mais populares). Esta alcunha não tinha nada a ver com traições, mas com o facto de ter mudade de uma fila maior onde estavam os meus colegas populares para uma mais pequena (era hora de almoço e eu tinha fome).

Eu era a delicia dos grupos porque era divertido, mandava bocas aos professores tinha as mesmas botas, a mesma roupa e ainda assim era um tipo fixe pronto a aconselhar e a ajudar (nucna esqueci as minhas origens e nunca deixei de ser ponderado).

O que é que aprendi com isto? Que é facil enganar os outros para que eles pensem que se é mais um. Aprendi tambem que provavelmente eu não era o único que o fazia e que havia mais gente como eu. Pessoas sensiveis e com ideias proprias, questões próprias e duvidas existenciais que na verdade só queria era que ninguém se apercebesse disso e então mostravam uma mascara social. Era o que eu fazia, a diferença era que as minhas duvidas eram um pouco mais profundas e não se prendiam apenas com "Será que vou ser feliz no amor?".
Aprendi que cada um tem as suas dúvidas e cada um faz o seu melhor para não transparecer fragilidade. Aprendi que cada um é único e que na verdade existe mais além daquilo que vemos e dos comportamentos que apreendemos dos outros.

Daí que realmente tenha aprendido nas minhas aluas de psicologia no secundário que a aprendizagem social se faz pela imitação de pessoas relevantes para nós, pessoas que consideremos modelos (nem sempre os nossos mais ou pelo menos não para sempre).
Aprendi que a maior parte das pessoas até acredita em Deus, mas não no Deus da igreja, e que há muto boa gente que diz que não acredita só porque acha que a ciência não permite que se acredite, ou porque acha que vão gozar ao demonstrar que acreditam.

Aprendi que a maior parte das pessoas acredita que a vida não acaba com o fim da vida. Na verdade a maior parte das pessoas que conheço e dizem não acreditar, acabam sempre por afirmar:
"Pá!... eu não acredito nessas coisas... mas ja ouvi dizer que..." ou "Eu não acredito, mas uma vez um familiar meu...". A conclusão é sempre a mesma, na verdade o que as pessoas querem dizer é "Eu acredito, muito embora não tenha provas concretas, algo dentro de mim me diz que a vida não termina nem começa aqui onde estamos e por isso não consigo deixar de acreditar, mas a verdade é que tenho algum receio de parecer tonto ao dizer que acredito".
Eu sei... eu também ja pensei assim.

Ao longo destes anos aprendi muita coisa, ainda tenho muito para aprender, muito mesmo. Ao mesmo tempo que vou aprendendo, noto que tenho cada vez mais para aprender... Não sou o único. Sei disso.

(continua)

O Padre Manipulador

Antes de mais permite-me que te trate por tu, se estás aqui é porque temos interesses em comum.
A minha intenção ao criar este blog não é propriamente a de insultar a verdade dos outros mas a de transcrever a minha. Verdades há muitas e, na verdade, ninguém é dono dela, por isso é que a verdade nos liberta, porque é nossa e é unica e é aquilo que nós quisermos dentro da nossa propria lógica de pensamento.

Deus e outras mentiras, porque na realidade vivemos numa completa ignorância sobre o que nos rodeia, sobre aquilo que realmente importa e num modelo que nos foi impingido sem termos sequer a hipotese de questionar (quem questiona é louco normalmente - acredita que sei do que falo).

Quando comecei a ter consciencia de mim proprio dei conta de que era muito diferente das pessoas que me rodeiam... achava estranho que não se questionassem, que não pensassem no mundo que as rodeia e que não tovessem dúvidas. Ainda hoje sou assim.
Fazia as mais parvas perguntas do tipo "porque é que o ananás se chama ananás" (hoje há quem diga que esse tipo de questão é sintoma de alguma patologia, especialmente quando se repete tantas vezes, como era o meu caso). Eu queria saber tudo (e seu eu pudesse garanto que aprendia tudo o mais possível), queria saber a origem das coisas e saber a razão pela qual o mundo era assim como ele é, como ele se nos apresenta.
À minha pergunta normalmente eu obtinha a resposta "porque é que tu te chamas nuno?" e olhavam-me como se eu fosse um grande idiota, atrasado mental que simplesmente não sabia assimilar a informação que lhe passavam sem a questionar. Nunca consegui explicar porque queria saber porque é que o ananás se chama assim (não tinha o nível de linguagem que tinham os mais velhos).
Da mesma forma questionava os meus pais sobre os castigos que me davam (vez sim, vez não, por razões semelhantes). Ora um dia eu não comia, porque não gostava do jantar e ficava de castigo, ora noutro não precisava sequer de fazer birra porque a boa disposição pairava lá por casa e passava directamente para a sobremesa (gelatina ou iogurte ou fruta). Eu achava aquilo uma incongruência e questionava e a resposta era um simples "porque eu é que mando aqui".
Essas respostas incomodavam-me até ao tutano porque sempre fui muito democrático e adepto de discutir as decisões com todos e sempre gostei que me explicassem a mim as razões do que quer que fosse que me estivessem a dizer. Eu queria aprender e entender a lógica de viver aqui, na terra, neste planeta, nesta sociedade.

Assim também conheci Deus e a história de Jesus e não conheci mais aprofundadamente nenhuma história de outro santo qualquer porque os meus pais deixaram de ser católicos quando eu tinha 5 anos. Chegámos um dia a casa depois de uma missa e os meus pais, que apesar de tudo eram pessoas que se permitiam questionar-se à frente dos filhos (todos temos dúvidas e os nossos pais não serão certamente diferentes) comentaram que não concordavam com o que se estava a passar na missa. O Padre estava a apelar ao voto no PS que apesar de ser o partido do qual a minha mãe é ferranha simpatizante, não lhe era possivel concordar com tamanha manipulação. O 25 de Abril tinha acontecido para que cada um tivesse a liberdade de escolher e de pensar qual era a ideologia política que seria melhor em determinada altura do seu país. Não seria certamente um padre a escolher por nós, para isso existia a campanha eleitoral e os programas dos partidos.

Fiquei revoltado e com vontade de ter um téte-a-téte com o padre para lhe explicar que não se pode tentar usar do poder que se tem sobre as pessoas para as manipular. Tinha contudo a noção de que era criançae que ninguém me ia ouvir, por isso calei-me, mas concordei com os meus pais e nunca mais fomos à missa. No entanto os meus pais sempre me disseram que se eu quisesse enveredar pelos ensinamentos da igreja católica eu era livre de o fazer e até me levariam à missa ou à catequese quando fosse a altura. Não quis.

Na verdade eu tinha Deus presente em mim. Tinha 5 anos e falava com ele em pensamento (sabia que ele me ouvia), as vezes quando o pensamento era mais rápido do que eu a pensar (não sei se já te aconteceu estares a pensar mais rápidamente do que a propria linguagem) eu apenas dizia "tu percebeste né?"
Desde que me conheço que conheço também Deus, mas por incrivel que pareça os rituais sempre me pareceram estranhos e até ridiculos, peço desculpa se ofendo. Para mim bastava-me falar com ele que ele ouvia e o mais engraçado é que sentia, muito embora não obtivesse uma resposta verbalizada, sentia-o alí a ouvir-me. Talvez Deus tenha sido o meu amigo imaginário de infância (muito embora nunca o tenha visto), mas ele estava lá.
Sentia que as pessoas estavam todas enganadas, para mim Deus era MESMO omnipresente e não fazia sentido nenhum fazer um ritual, especialmente porque a maior parte das pessoas que participavam desse ritual no momento seguinte estavam a falar mal umas das outras, estavam alí só para serem vistas e quem não participasse do ritual não era boa pessoa. Isso incomodava-me muito. Fazia-me sentir pouco livre.
Além do mais, aquele Deus que me apresentavam na igreja era tudo menos amigo, era tudo menos um pai perfeito. Caramba, se é perfeito não castiga, não se chateia e muito menos sente ciumes. O Deus que eu conhecia era tão fixe! Estava sempre lá para mim, ouvia-me e o mais engraçado é que me ajudava a reflectir e a ter noção das minhas acções. Através das infindáveis conversas (na verdade monólogos - mas as vezes a resposta vem de onde menos se espera) eu fui capaz de ver onde estava errado. Não admira portanto que os meus pais tenham tido muito poucas razões de queixa de mim, eu era uma criança calma e poderada, só não reagia muito bem à "autoridade pela autoridade". Isso revoltava-me. De resto era bem comportado, muito bem comportado, não por medo, mas por respeito e porque queria ser muito boa pessoa.

Nunca mais fui à igreja enquanto até aos meus 7 anos.

(continua)